TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO DÁ FIM A 4,5 MILHÕES DE EXECUÇÕES EM 2024
Um acordo entre atores nas três esferas governamentais, firmado em maio de 2024, definiu uma meta prá lá de ambiciosa: diminuir em dois milhões o número de processos de execução fiscal no Judiciário paulista, até meados de 2025. O objetivo final, no centro do programa chamado Execução Fiscal Eficiente, é eliminar o maior gargalo da Justiça paulista.
Pode-se dizer que o programa foi um sucesso: em janeiro de 2025, já haviam sido extintas 4,5 milhões de ações. Em oito meses foi atingido mais do que o dobro do previsto para um ano. Em janeiro de 2024, 92 mil processos com execução tributária haviam sido distribuídos em todo o Judiciário do estado. Em junho, não chegaram a dez mil. O número de execuções registradas caiu de 1,4 milhão em 2023 para menos de meio milhão em 2024. As varas de execuções fiscais da Capital baixaram 60% dos seus quase dois milhões de processos.
No início de 2024, havia 20,4 milhões de ações em andamento na Justiça paulista. Três em cada cinco desses casos (ou 12,8 milhões) eram execuções fiscais – usadas para a cobrança de tributos como IPTU, IPVA, ICMS, ISS, além de multas. A maior parte desses processos (11,1 milhões) envolve dívidas com valores inferiores ao próprio custo da execução judicial (calculado em cerca de R$ 10 mil pela Fipe) ou devedores sem bens penhoráveis. Essas milhões de causas tornam-se mortas-vivas: ainda em andamento, mas sem ter para onde ir.
Entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, o tribunal de fato chegou à impressionante marca de 4,5 milhões de julgamentos de execuções fiscais. Apesar do ritmo forte —e da diminuição no número de processos distribuídos, que caiu quase 65% no período— o acervo ainda não caiu na mesma medida: o estoque de execuções foi de 12,8 milhões no fim de 2023 para 9,9 milhões no fim de 2024.
O esforço para liquidar esse lote de ações partiu de todos os lados: o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral do Estado, o Tribunal de Contas do Estado e mais 190 prefeituras paulistas que aderiram ao programa. São Paulo, Guarulhos e Campinas, os três municípios mais populosos, assinaram a cooperação logo no momento inicial.
Financeiramente, o efeito da extinção em massa desses processos é pequeno, porque envolvem valores baixos, que não eram esperados pelas prefeituras. A médio e longo prazos, no entanto, o resultado tende a ser mais visível: sem este monstruoso estoque, o TJ passaria a dispor de mão de obra livre para concentrar-se nos casos de alto valor, garantindo maior arrecadação na execução.

O arcabouço legal que permite a limpeza desse acervo é composto pela decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 1.184 de repercussão geral, da Resolução 547/2024 do CNJ e da Portaria 2.738/2024 do TJ-SP. A parte central da tese desenvolvida pelo STF – em uma ação que ainda está em tramitação – reconhece ser “legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado”.
A partir disso, é viável a extinção de ações de execução em valor inferior a R$ 10 mil, desde que estejam há um ano sem movimentação útil, sem citação ou sem apreensão de bens. O agente público tem de tentar a conciliação, pelo parcelamento da dívida ou oferecimento de desconto, ou adotar solução como o protesto em cartório.
“A gestão e a cobrança da dívida ativa não precisam se dar em tom adversarial com relação ao contribuinte. Não é o estado ou o município contra o contribuinte. É algo que se pretende construir coletivamente, percebendo as dificuldades e as diferenças entre os contribuintes”, disse a procuradora-geral do estado de São Paulo, Inês Coimbra, em evento no Ministério Público de Contas paulista, em dezembro de 2024. “Ser capaz de trabalhar esses dados e separar o joio do trigo pode ser algo bastante importante e trazer para o cidadão a percepção de que o poder público não pretende trabalhar para destruir um negócio.”
Além das regras para execução, foi possível criar normas que dificultam a abertura de novas ações. Entre elas, está a formalização do protesto para a cobrança do tributo antes do ajuizamento de novas ações. O resultado prático foi divulgado pelo TJ-SP em agosto de 2024: apenas três meses após o início do programa, um milhão de processos já haviam sido extintos.
Na primeira instância, os resultados começam a aparecer: a redução no acervo de execuções fiscais em Sorocaba, a sétima maior cidade do estado, foi de 312 mil, em novembro de 2023, para 21,6 mil casos em janeiro de 2025, segundo dados do próprio TJ. Desde agosto, um núcleo do tribunal trabalha para executar e julgar ações exclusivamente nas comarcas fora da Capital.

O segredo foi uma mudança de mentalidade, nas palavras da juíza do Gabinete Civil da Presidência do TJ-SP e coordenadora adjunta do Núcleo de Cooperação Judiciária para Tratamento Adequado da Alta Litigiosidade Tributária, Paula Fernanda de Souza Vasconcelos Navarro: “Para a sociedade, o custo de recuperação desse valor perante o Judiciário é muito maior [que ele próprio]”, disse ela em fevereiro de 2025, em entrevista ao site Consultor Jurídico. “O retorno financeiro, além de baixo, não era certo. O índice de recuperação das execuções fiscais era de 2%, e em cartórios de protesto chegava a 10%.”
A ambição do presidente do TJ, Torres Garcia, não é pequena. Em evento com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, falou na “eliminação de quase metade do acervo do TJ-SP” com o projeto. Desde o início do programa, o MP de Contas paulista desenvolveu um mapa da dívida ativa, com orientações relevantes aos dirigentes para evitar a judicialização e promover a eficiência na cobrança extrajudicial.
Em âmbito nacional, os números são ainda mais superlativos. Mais de oito milhões de execuções fiscais foram extintas, número que representa 20% do acervo em todo o país, de acordo com dados apresentados pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, na abertura do ano judiciário, em fevereiro de 2025. Em 2024, os municípios brasileiros aumentaram a arrecadação em 124%, conforme dado apresentado pelo presidente do STF.
Em São Paulo, segundo a juíza Paula Navarro, “com um volume menor de casos, servidores tiveram mais tempo para a diligência. E as prefeituras tiveram um aumento de arrecadação depois disso.”